quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Papo de Pombo

O pombo logo que avistou se aprumou e preparou-se para o desenrolo.
Aproximou-se aos poucos enquanto a pomba ciscava distraída alguns grãos que estavam no chão. Assim que ele começou a chegar perto, a pomba percebeu que tratava-se de um mais predador da savana. Esperta, afastou-se um pouco.

Logo que a pomba se afastou, o pombo não desistiu da idéia - aprumou-se mais. Estufou o peito e o pescoço, na postura de macho alfa.
- Hey.. pruu pruu.. Chega aí, pombinha!
- Ih.. pruu pruu.. se toca, mané!

Logo depois do fora, a pomba levantou vôo e o pombo, desolado, voltou a companhia de seus amigos pombos, que estavam no centro da savana ciscando.
- Ih alá.. se deu mal, mané! Pruu.. Pruu.. foi arrastar asa pra pombinha e voltou depenadinho, alá.. Pruu pruu!
- Po cara, essas pomba da savana tão foda.. Grão! Grão! Farinha! *corre, cisca, cisca, cisca!*
- Se achou o rei da pomba preta.. se deu mal.. Pipoca! *cisca* Rapá, tem que chegar na encolha!
- Éé malandro.. Ih! Cheetos! Cheetos! Coorre, é um fandangos!
- Sai porra! Sai poorra! *corre muito, cisca, cisca*
- Maldito! Eu vi primeiro! Pruuu!
- Deu mole, parcero.. fico ciscando aí.. pruu pruu..
- Então malandro.. como eu ia dizendo, pruu pruu, a savana é campo aberto, não pode chegar esplanando não..
- É mané.. *cisca, cisca*.. ainda mais com essa quantidade de comida aí dando sopa..
- Então ensopa as franga, pombão.. igual cê fez com essaí! Ihalá! Mais fandangos! Pega!

*corre, corre, cisca, cisca, cisca*..

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Episódio num vagão do Metrô (Retirado do meu blog Clipes de Pensamentos)

Estava no metrô do Rio de Janeiro indo para a faculdade, em pé, pensando na vida e também como o trem estava ficando cheio. De repente ouvi atrás de mim um senhor conversando com outro no lugar reservado aos idosos:
- .......É mesmo?
- É, eu peguei o trem em Nova Iguaçu e era muito cedo, por isso estava sonolento e acabei não percebendo que aquele vagão estava vazio. Quando entrei que percebi alguns militares só que estavam lá, junto com dois homens sentados.
Nesse momento já estava virado para os dois senhores escutando toda a conversa. O senhor percebeu que eu estava olhando e então continuou a falar, mas dessa vez olhando para mim também:
- É meu filho, quando eu vi quem eram os dois senhores, minhas pernas começaram a bambear.
- Quem eram eles? Perguntei, muito curioso.
- Getulio Vargas e o Gaspar Dutra
- Nossa deve ter sido algo muito legal.
- Hoje em dia sim, mas na hora um oficial fardado muito alto e branco veio até mim e me perguntou o que eu fazia ali. Eu disse que tinha pegado o trem pro Centro e sem querer entrei nesse vagão.
- Esse vagão esta reservado para o presidente, você já percebeu, não é.
- Sim senhor, eu percebi. Minhas pernas estavam tremendo demais, estava quase caindo de nervoso. Não sabia se ficava com medo ou feliz porque o Getulio sempre foi bom com o povo, sabe.
- Em que ano foi isso senhor? Perguntei.
- 1938.
- Caramba.
- É meu filho. Nisso veio um outro oficial e falou que eu iria preso no quartel. Fiquei com medo, mas ai o Getulio perguntou quem eu era, eu expliquei e ele disse que eu podia ficar, mas o trem não iria parar. Então eu fui até Curicica com eles e quando iam me prender o Getulio me deixou ir. Afinal eu não tive culpa. Então (hehe) tive de pegar três bondes pra voltar pro Centro.
- Que história fantástica.
Nisso o outro senhor concordou comigo e todos começamos a rir. Chegou a estação maracanã e eu tive que descer do metrô. Agradeci o senhor pela historia e ele disse que era sempre bom contar essa história.
Cheguei na UERJ pensando como aquela viagem de metrô foi boa e como o senhor contava a história com prazer. Dava para perceber a admiração que ele ainda tinha até hoje pelo Vargas.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Insônia e Liberdade

Depois que todos já tinham desistido e se embrulhado em seus cobertores, segui pelas escadas abaixo em direção à porta da casa. Apesar de se tratar de uma cidade pequena, havia duas fechaduras e um trinco na porta. Além disso, ainda havia uma haste de madeira presa a um prego, mas que não estava atravessada à porta. Após algumas tentativas no escuro, acendi as luzes da sala e percebi que não conseguia faze-lo porque uma das fechaduras estava emperrada. Temendo fazer muito barulho, desisti daquela porta e segui para os fundos da casa. Nesta saída, o mesmo esquema de segurança, mas sem fechadura emperrada.

Ao finalmente sair da casa pude perceber a quantidade de cores que o sol ascendente já havia cedido ao céu. Quando notei pela primeira vez que o sol nascia - cerca de dez minutos atrás -, o dia ainda começava a clarear. Naquele instante, já podia contar umas seis cores diferentes ao olhar pra cima. Em contraste com a cromática daquele momento, me recordei da imensidão negra que lá dominara as últimas doze horas. Afogado nos braços da filha da noite, me dei conta que não dera a devida atenção às outras cores que aquele céu me apresentava.

A noite havia sido agitada e ocasionalmente alguns flashes vinham à minha mente. Conforme o sol subia, as cores, que antes tinham apenas um filete do céu cada, agora expandiam seus domínios e faziam do azul mais claro. Assim, a vida local parecia despertar junto ao sol por trás das montanhas. Os patos já saíam com seus filhotes para uma caminhada matinal e dois cavalos já tomavam seu café da manhã ali próximos. Sem contar os pássaros tagarelas que compunham uma orquestra que era ao mesmo tempo perturbadora e acolhedora. Apesar de não conseguir distinguir o que significava - o que, de fato, perturbava - tratava-se de uma bela melodia. Junto ao protagonista da cena, o céu estava vermelho e bem alaranjado em faixas mais curtas. As cores seguintes eram um rosa forte que se amarelava ao longo de sua faixa celeste.

Próximo ao infinito, onde quase nenhum homem pode alcançar, flutuava uma estrela que brilhava muito mais até que o protagonista, erradamente chamado de astro rei, já que trata-se de uma estrela. Eu sabia que para chegar àquela altura eu precisaria estar muito 'high', o que tinha certeza naquele momento. Porém, por pensar muito em qual caminho utilizaria para chegar, acabei a deixando ir embora. Apesar de uma boa parte do firmamento ainda pertencer a Morfeus, não podia negar que aquela estrela era uma das mais belas que passaram por mim.

Conforme o sol se desinibia o ambiente se mostrava mais verde, assim como o amarelado se tornava ao se aproximar do grande azul que já dominava mais da metade do céu. Mesmo sendo claro resultado da fusão de duas grandes faixas cromáticas, a verde empunha respeito lá em cima, ainda mais por refletir a coloração que a mata semi-virgem revelava. O grande azul clareava mais com o passar do tempo para dar boas-vindas a um belo domingo na serra. Logo acima da minha cabeça despedia-se uma lua em crescimento acompanhada de outra estrela. Tão bela que deveriam rechear os olhos de uma princesa com seu brilho e o azul ao seu redor. Mas, apesar de conseguir chegar na região áurea do céu, sabia que não estava 'high' o suficiente para chegar na vizinha da lua. Droga! Preciso tomar um jeito!

Voltei para dentro da casa, que estava bem mais morna. Tranquei tudo que eu podia e subi as escadas em direção ao meu quarto. Apesar de estar sem sono, eram quase sete da manhã e estava um pouco cansado. Deitei-me e ouvi um pouco de música por vinte minutos... Ah! Dane-se! Vou escrever alguma coisa até o sono chegar...

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Objetivo de vida

"- tipo, quero um estágio pra ganhar dinheiro pra fazer um menage; quero morar sozinho pra ter onde fazer um menage; vou estudar pra ser inteligente e ter um papo até convence-las pra um menage; vou tocar violao pra tentar seduzi-las e levar prum menage; vou sair pra comer uma pizza pra ter energia caso role um menage; vou jogar futebol com a mulecada pra ter folego quando rolar um menage; vou viajar pra ver possiveis de lugares onde possa rolar um menage; vou correr na praia pra não fazer feio quando tiver rolando um menage de várias horas...

- caso role um menage né?"

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

No topo do disco...

"Pra chegar na minha casa de carro daqui é tranqüilo moleque...

...daqui até a minha casa demora 5 horas, porque até lá tem 5 casas mais caras que a minha!"

domingo, 4 de outubro de 2009

Resoluções de hoje...

Resoluções Observatórias sobre a Identificação de ET's

1- Aquela lá ó, aquela lá mesmo... ela é a cônsul dos ETs aqui na Terra. Aquelas anteninhas lá não me enganam não! Nem é a toa que quando ela não toma sol fica meio verde!

2- Essa criatura aqui do lado também. Eu já percebi quando ele fica com anteninhas ligadas, acho que ele foi implantado aqui pra espionar a gente...

3- Tem aquela outra lá que dizem que é estrangeira. Estrangeira nada, ela é enviada direta de lá pra observar e coordenar o trabalho dos outros dois. Eu acho que ela é que é o peixe grande. E eles ainda ficam fazendo uns rituais pra prever o futuro. Será que eles não falam pra gente o que eles querem que a gente faça?

4- Sem dúvida. Eles vieram do planeta Light. Não adianta, pra todo lado que eu olho só tem coisa light, não aguento mais isso. É, são do planeta Light.

5- Uma coisa fácil de identificar num ET é que eles são muito detalhistas, reparam em tudo que está a sua volta, mesmo! Além disso, eles se julgam sempre certos. Nunca admitem opiniões diferentes e não sabem lidar com contrariedades.

6- Você nunca notou? Eles se alimentam principalmente de ovos e queijo. Quanto à bebidas, preferem leite. O lightianos mais refinados e magros tomam leite de soja, que é mais chic e fresco. O lightiano mais gorduchos e com menos condições toma leite natado, de vaca mesmo.

7- Existem casos de mulheres que começam a ter sintomas de gravidez, o exame de urina dá positivo e o bebê não aparece na ultrassonografia. Sabe o que acontece? O bebê é raptado e implantam as anteninhas que vão crescendo com o tempo. E esse crescimento é devido ao leite que eles tomam.

8- Nunca coloque colcha verde na sua cama. Isso atrai ET.

9- Sempre que tiver leite em sua casa, esse lightiano vai tomá-lo durante a noite. Ele acorda (ou espera até o momento em que ele julga que você já dormiu) , e vai até a sua geladeira tomar um copo cheio de leite a goles fartos. Esse é o processo que ajuda no desenvolvimento de suas anteninhas.

10- Sabe de outra coisa? Cada ET tem uma máquina que o faz dependente de ficar em casa. É um tipo de oxigênio deles, que faz com que eles consigam respirar o nosso ar durante algum tempo, mas não é pra sempre. Logo, não gostam de dormir muitos dias fora de casa, onde ele não possa se "sentir em casa" - que são os lugares onde conseguem levar essa tais máquinas. Mas como eu nunca as vi, não sei dizer como são. Isso ainda é um mistério pra mim...

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Avaliação de Sociologia da Comunicação

Comente a afirmativa:

“O gênero sempre é e não é o mesmo, sempre é novo e velho ao mesmo tempo. O gênero renasce e se renova em cada nova etapa do desenvolvimento da literatura e em cada obra individual de um dado gênero. Nisto consiste a sua vida.(Machado, Arlindo. A televisão levada a sério. SP, SENAC, 2005. pg. 69)


Neste mesmo texto, em que Arlindo Machado compôs a afirmação proposta na questão, o autor descreve o conceito de gênero elaborado pelo russo Mikhail Bakhtin: “uma força aglutinadora e estabilizadora dentro de uma determinada linguagem, um certo modo de organizar idéias, meios e recursos expressivos...”. Referindo-se à nova abrangência que os gêneros passaram a ter com o passar dos anos e o desenvolvimento, sobretudo, da literatura, Machado chega a afirmar que o livro, por exemplo, já pode ser tomado, ele próprio, como um gênero. Se utilizarmos um raciocínio semelhante, podemos propor, também, a TV, o rádio e a internet como gêneros próprios, com suas linguagens, meios e recursos expressivos.

O avanço da tecnologia de telecomunicações, por função, impulsiona uma constante “reconstrução” destes gêneros, o que, por sua vez, proporciona o debate dicotômico (é e não é, velho e novo) necessário para a manutenção de sua existência. De maneira dialética, os gêneros, por serem mutáveis, avançam e adquirem “novos formatos”, mesmo sem perder suas características fundamentais. Tomemos como exemplo o livro Dom Casmurro, de Machado de Assis. Em sua primeira edição, o livro possuía o formato tradicional referente ao seu gênero (livro), provavelmente com o texto dividido em colunas e páginas. Contudo, com os novos formatos de comunicação permitidos pelos avanços da ciência e, de certa forma, da literatura, a história de Dom Casmurro já pode ser contada por outras linguagens diferentes.

O cinema e a TV, por exemplo, arriscaram a adaptação da obra para seus “certos modos de organizar idéias”, o que não concluiu, decisivamente, para que a peça machadiana não pudesse ser reconhecida como gênero literário impresso. A própria web 2.0, com toda sua linguagem e recursos específicos, propõe uma ampla variedade de modelos de transmissão da estória de Capitu. Enquanto o site www.milcasmurros.com.br permite que o interlocutor assista pequenos vídeos com os capítulos da trama, iBooks e sites especializados se utilizam da tecnologia para proporcionar ao leitor, ao provar de seus recursos, a mesma sensação de ler um livro. Portanto, os distintos gêneros coexistem, evoluem e se transpassam ao ponto de parecerem não serem mais os mesmos, no entanto, nesse processo constante de mutação reafirmam sua existência e suas características fundamentais que sempre serviram para os reconhecerem como tais.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

As Estripulias de um Capitão Pequenino

Zion era um duende
Ele vivia numa vila em Itagimirim, na Bahia
Sua vila ficava ao lado da rodoviária da cidade
Num lugar repleto de árvores
Rodeado por uma outra grande floresta, montanhas bem altas e planícies intermináveis

Durante uma bela tarde
Todos os moradores da Vila se reuniram para tomarem o Chá Secreto dos Duendes
A tarde foi se ocorrendo enquanto os duendes começavam a ver coisas demais naquele cenário
Inclusive quando as manchas vermelhas do céu se transformaram em Dragões ferozes que ameaçavam aquela pacífica vila

Então, sob o comando de Zion
Que era capitão militar da Vila dos Duendes
Outros três militares o seguiram em direção à um ônibus que estava parado na Estação Rodoviária vizinha à Vila

Então, os quatro duendes entraram escondidos no veículo e por lá ficaram...

Algum tempo depois, durante a noite, um grande estrondo se fez ouvir por todos
E os duendes foram lançados pra fora de sua condução, caindo em outra, com as inscrições "Turispall" gravadas na lataria
Ainda atordoados com a pancada, mantiveram-se escondidos no meio de algumas bagagens

Chegando ao seu destino final
(Um lugar conhecido pelos seres humanos como Fortaleza)
Zion e seus amigos ainda estavam escondidos em meio à algumas bagagens
E dentro de uma estrutura de construção civil, os duendes militares foram se esgueirando por entre outras malas
Até encontrarem um saco plástico recheado de plantas com um generoso odor
Onde decidiram entrar
E ficar por alguns dias...

Então, alguns dias depois e ainda escondidos, Zion e seus amigos começam a ouvir uma voz bem sotaqueada:
"Hm... que vontade de arrochar unzinho..."
Num movimento brusco o saco plástico é aberto e uma mão invade o esconderijo dos duendes...
Zion é capturado pela tal mão junto com alguns vegetais, para logo em seguida o saco ser fechado novamente...

Alguns movimentos, papel... planta... papel... planta... as coisas giraando...

"O Beiçola fumou o Zion, véééi!"

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Coisas de um dia comum...

"Moço, me vê uma pizza grande. Bem grande. A maior que você tiver!"

Yummi! =]

domingo, 19 de julho de 2009

Elas.

Um beijo. De repente um beijo. Um muito leve estalo na ponta dos lábios ainda adormecidos , e o dia se apresenta. De cortinas fechadas, o quarto é invadido por um solitário feixe de luz que corta o calor escuro típico. Com os olhos ainda embaçados ele a vê ajeitando os últimos detalhes da blusa e prendendo o cabelo. Recebe mais um beijo e um último cafuné como se fosse um cão peludo e preguiçoso perdido em um cesto de roupas sujas. E assiste, ainda que parcialmente, devido o sono do qual ainda não havia conseguido se despedir, o quarto se encher da clareza matinal quando a porta se abre e escurecer-se novamente despedindo-se do novo dia.

Tudo não pareceu mais que um reflexo, um flash de imagens e sons perdidos no meio de tantos outros sonhos reproduzidos inconscientemente durante o sono. Ainda estava rendido aos calores da cama amarrotada quando, de um canto ela se moveu dissolvida no abafado dos quartos fechados de inverno. Sinuosa e sorrateiramente vinha até o pé da cama. E pelo que ele pôde, comprometidamente, perceber, tinha escapado por uma fresta entre as duas portas do armário. Justamente as duas portas que nunca fecharam. Aquelas características de apartamentos alugados com móveis embutidos. Dentre dezenas de outras coisas, aquelas portas guardavam o pijama e algumas outras pequenas coisas da que saíra mais cedo e despedira-se com um breve beijo.

Responsável por belos textos, canções e louvações, muitos a recebem carinhosamente. Chegam aguardá-la como se, por um momento, se esquecessem da sombra que ela traz consigo sempre que se aproxima. Sempre vista com bons olhos e defendida como uma virgem pueril e piedosa ela se aproxima justamente nessas horas de vulnerabilidade. Um corpo – enroscado num edredom velho e gasto, esparramado por uma cama mal armada que, com custo, se conserva de pé – e uma cabeça, perdida em sonhos mal formulados e entregue ao peso do sono atrasado, constituem uma de suas vítimas mais fáceis.

Caladamente ela sobe até a cabeça escondida debaixo de velhos travesseiros e, com perícia invejável, esfrega o rosto amassado e com a barba rala por fazer passando os dedos por entre os cabelos oleosos de quem bebeu demais e não teve coragem para encarar um chuveiro antes da cama. Com essa espécie de brincadeira com um vira-lata qualquer, ela o tira do estado letárgico e o traz para o escuro vazio do quarto. Sem se espreguiçar ele acorda, esfrega a cara, olha em volta e boceja. Onde está ela? Ela se foi, não era sonho. Era de verdade. Tudo. O beijo, o elástico no cabelo, o botão fechando o casaquinho, as primeiras luzes do dia.

Estalou o pescoço e, como se o barulho dos ossos estalando tivesse liberado alguma tranca ou cadeado, as lembranças estouraram feito boiada e invadiram a cabeça. Era como se ela ainda estivesse ali. Parecia que o lençol ainda mantinha sua temperatura e o cheiro do corpo que amarrotara. No travesseiro, alguns fios dos cabelos cacheados ainda arriscavam irritar o nariz dele, que não abria mão de dormir perto de sua nuca. A roupa no armário o remetia ao momento em que ela se arrumara para dormir, na noite anterior. O mesmo e hipnótico ritual de todas as noites após o banho. Tinha mania de aromas. Estava sempre cheirosa, quando não por fragrâncias e cremes, por seu perfume próprio. Ela estava ali. Era com se todos os seus sentidos, ébrios pela ação daquela que o acordara pela segunda vez, fornecessem provas mais do que concretas para que se afirmasse que aquela, que se perdera na luz do dia lá fora, ainda era presente ali.

Pronto. Estava como um prisioneiro acorrentado àquela cama que há muito deixara de oferecer um nível aceitável de conforto. Um cavalo de haras, trotando em círculos pela área de gramado bem cercada, por onde o permitiram andar. De repente o quarto se tornara uma clausura de recordações onde tudo a lembrava. Cada peça de roupa jogada ao chão, cada almofada desarrumada, cada copo d’água apoiados no chão gelado... Foi atraído como presa fácil e inocente. E então é que ela, a que se revelara no escuro cortado por um feixe luz, apresenta sua verdadeira essência. Muitos não percebem por já estarem entorpecidos com as sensações causadas pelas sintomáticas lembranças. E então, como se anestesiados, expõem o peito à ação lancinante daquela, que pode surgir tanto na ausência matinal, como em insônias desoladoras ou mesmo em domingos ensolarados em um passeio pela praça do bairro.

É dessa que chamam saudade, que, em uma fração de segundos, ele se vê cativo. E se há horas em que ela finge o abraçar como um colo quente de avó – e por isso conquista espaços simpáticos na poesia – na grande maioria das vezes ela aproveita do peito incauto, estufado pelas lembranças, que permanecem a preencher todo espaço útil do cérebro, para impor seus principais golpes. Surpreso, sem qualquer oportunidade de defesa, o peito é comprimido até o limite. Até que, não mais a imagem da noite perfeita com aquela que se foi pela luz da porta ocupe o lugar de destaque nos sentidos, mas a angústia causada pela saudade dela, pela falta que aqueles momentos acomodados no passado fazem.

De tudo que era belo, portanto, a saudade tira a cor. Ou pior, rouba a sua qualidade de etéreo, infindável, e o enquadra em algum porta-retrato imaginário de molduras douradas, velhas e gastas. Aquela tarde de cores quentes, cheia de barulho e movimento passa agora em um filme mudo, em câmera lenta, de poucas cores e segundos. Por um momento o dia, que mal começou, já parece estar na metade. Como se, ao despedir-se do escuro, ela atravessasse uma dimensão. Como se, em outro tempo, agora ela cumpria com seus compromissos e se divertia enquanto ele, estacionado no tempo de seu quarto escuro, ainda tentava acordar de algum sonho.

A saudade não faz com que ele lembre dela. Tenta fazer com que ele a substitua por ela própria, a saudade. A saudade não é nada mais que uma imagem criada daquilo que sai pela porta de luz. Ela não é bela e não é boa. Ao contrário, torna triste aquela que sorri, paralisa a que se movimento e prensa toda sua beleza em uma tela plana de fundo amarelado. Ela é capaz de tornar afastada aquela que, minutos atrás, dormia com ele. A saudade, até mesmo, transforma um beijo de bom dia em uma despedida melancólica.